15/01/2014

naquele tempo, no teu tempo, como era no teu tempo?

- No teu tempo já havia disto?
Olho para ela sem perceber bem a pergunta. No meu tempo?
Desde pequena que fico aflita quando não sei a resposta ou não entendo a pergunta. Na escola ficava vermelha, enchia a boca com ar como se ele me ajudasse a encontrar uma resposta inteligente.
- Ainda ontem demos isto e já te esqueceste? Qual é nome deste mineral?
A minha professora de Ciências encosta a cara à pedra antes de anunciar o seu nome. Com a mão direita leva-a bem junto ao nariz, cheira-a, rodopia-a junto aos seus olhos para em seguida dizer:
- Quartzo!
O nome não me diz nada, ao contrário do ritual de amor celebrado entre ela e o mineral.
Ontem foi quarta-feira, o meu dia preferido da semana. Ontem foi dia de sessão clássica no cinema Império. Ontem foi dia de descer a avenida de Roma, encontrar a avenida Guerra Junqueiro, atravessar a Alameda, comprar o bilhete do segundo balcão e esperar a cortina abrir. Se ela me perguntasse pelo filme que assisti, como eu estava quando saí do cinema e visse que o filme ainda permanecia em mim, eu saberia responder. Um beijo apaixonado a mostrar que há amores proibidos. As guerras, os homens, as lutas, a fome, a luxúria e de novo e sempre o amor. Se ela me perguntasse como eram os outros dias, eu dizia que eram dias de espera. Que nesse intervalo sonhava e que os filmes me davam vontade de ler. E que os livros me davam vontade de ver outros filmes. E que uns e outros ensinavam-me mais que o diamante e o quartzo.
- Ainda ontem demos isto, Rosa…
Com a cara vermelha insuflada de ar, baixo os olhos e espero que a tortura acabe. Que venha um zero, mas que venha algo além desta ladainha insistente:
- Ainda ontem demos isto...
- Vai-te sentar, Rosa.
Aliviada regresso ao meu lugar. Estou sempre no fundo da sala na esperança de ser esquecida. Nada me apazigua mais do que desenhar nas aulas. Assim o tempo passa por mim sem que seja um sacrifício manter-me acordada.
Sou pequena, sempre fui a mais baixa em todas as turmas. Minha mãe lutou durante alguns anos para que eu crescesse. Procurou médicos, transformando a minha altura num assunto presente da minha vida.
- Can I call you, Mini?
Era assim que o meu professor de inglês me chamava até ao dia em que contei à minha mãe e ela ofendida proibiu-o de fazer.
Nunca me entendi bem com a educação física. A minha cabeça dizia esquerda e era a perna direita que respondia. O mesmo se passava nas aulas de canto coral. Fui proibida de cantar porque segundo a professora eu desafinava. Nos festas, só conseguia dançar Je t’aime moi nom plus, porque meu corpo ficava colado ao do meu parceiro e não era preciso fazer mais nada que não fosse ouvir os gemidos da Jane Birkin.
- No teu tempo já havia disto que há agora?
- Que tempo?
- Ora o teu tempo!
Baixo os olhos e respondo baixinho:
- De que tempo falas?
- Ora, bolas quando eras nova.
- Vi o António das Mortes no Estúdio do Cinema Império. Não te sei dizer se tinha 16 ou 20 anos quando vi o O Último Tango em Paris. O que mudou? O Império é da Igreja Maná.

O meu tempo? Qual é o teu?

2 comentários:

  1. No meu tempo havia esse Império, a Copacabana, o Café Roma e o Londres era um conjunto de pistas de bowling... Hoje pouco sobra e o Londres é uma "Loja do Chinês"... saber o que é o quartzo é tão fundamental como saber quem foi Shakespeare, pois tão necessária é a areia da praia como o amor de Julieta. Falo de duas culturas, o que faria de nós melhores... vou escrever sobre isso...

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  2. claro que o quartzo é tão importante quanto...

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